Associação Brasileira de Internet Industrial (ABII) divulga entrevista com o professor Eduardo Zancul para celebrar este movimento que trouxe mais inteligência para o processo de fabricação

  O ano de 2021 tem uma simbologia especial. É quando celebramos os dez anos do conceito de indústria 4.0, termo utilizado pela primeira vez na Feira de Hannover, na Alemanha, em 2011. De lá para cá, este movimento de transformação vem revolucionando a forma com que as empresas desenvolvem, fabricam, melhoram e distribuem seus produtos; a forma como as pessoas se relacionam com as tecnologias neste espaço; e mudando até mesmo os modelos de negócios como conhecemos.

  Para comemorar essa importante data a Associação Brasileira de Internet Industrial (ABII) está organizando uma série de entrevistas e ações ao longo do ano. Hoje, você confere uma entrevista exclusiva, com um convidado especial: Eduardo de Senzi Zancul, professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Ele traz uma retrospectiva histórica da indústria 4.0 e algumas perspectivas para o futuro.

Em 2021 completamos dez anos do conceito de indústria 4.0, apresentado pela primeira vez na Alemanha. Como você avalia este período no Brasil?

Professor Eduardo Zancul – Nesse período houve um grande avanço no Brasil na compreensão do processo de digitalização e na disseminação de novas tecnologias relacionadas com a indústria 4.0. Podemos dividir esse período em duas fases de 5 anos. No primeiro período, as empresas buscaram ampliar o entendimento da indústria 4.0 e de seus benefícios. No segundo período, as empresas passaram a buscar a adoção, de fato, de tecnologias da indústria 4.0. Mais recentemente, nos últimos 3 anos, observa-se inclusive uma aceleração na adoção dessas novas tecnologias e foco crescente na digitalização das empresas. Paralelo a isso houve surgimento de startups voltadas para a tecnologia na indústria, atraindo jovens para trabalhar com manufatura, tornando ela mais atraente para este público. E isso é muito importante para manter a força de trabalho revigorada.

Em que estágio de maturidade estamos no Brasil em comparação com o restante do mundo? A pandemia acelerou este processo aqui?

Professor Eduardo Zancul – É uma comparação difícil de se estabelecer. A indústria no Brasil é muito heterogênea. Temos plantas industriais completamente atualizadas e similares as existentes em países com a indústria muito avançada. Por outro lado, temos uma diversidade muito grande de pequenas e médias empresas, sendo que algumas estão num estágio muito anterior. Em acesso a tecnologia estamos muito parecidos. Em conhecimento, em algumas áreas estamos parecidos, mas em outras o país não se atualizou. Em alguns casos, falta densidade de conhecimento. Mas se olharmos a indústria de forma geral, o país carece de produtividade, então estamos um pouco atrás. Com relação a pandemia do Coronavírus (Covid-19), ainda faltam dados para analisar os efeitos permanentes nas empresas, mas observa-se que a crise sanitária acelerou uma tendência rumo à digitalização de processos.

Qual é a característica mais importante que diferencia uma indústria convencional de uma indústria 4.0? E como você define o conceito de indústria 4.0?

Professor Eduardo Zancul – Existem duas características que são muito relevantes: a flexibilidade, que se refere a capacidade de adaptação, e a digitalização intensiva, que permite aumentar a produtividade e explorar novos modelos de negócio. Eu costumo relacionar muito a indústria 4.0 com a digitalização, pois é ela que permite a flexibilidade, que permite o aumento da produtividade e que possibilita uma mudança ampla e profunda da manufatura.

Estamos num mundo cada vez mais globalizado. O Brasil e o mundo seguem a mesma cartilha, o mesmo conceito de indústria 4.0 ou existem características aqui?

Professor Eduardo Zancul – Seguimos a mesma cartilha sim, inclusive na academia, onde procuramos seguir as pesquisas e manter a mesma direção de evolução do conhecimento que ocorre mundialmente. Não vejo motivos para entender que estamos tomando rumos alternativos e formando um conceito brasileiro de indústria 4.0. Eu fico me perguntando, depois de dez anos de indústria 4.0, qual é o próximo passo a ser dado. Talvez alguma mudança em relação a matriz energética (que alguns países já estão fazendo), por exemplo. O que me parece verdade é que as empresas no Brasil buscam implantar a indústria 4.0 de forma muito pragmática. Como geralmente temos recursos limitados para investir, os projetos de digitalização acabam sendo bastante focados.

Na década de 1990 um conceito disseminado pela IBM (o CIM) prometia o aumento da produtividade das empresas com fábricas sem papel (no processo do escritório ao chão de fábrica). O conceito na época não funcionou, pois muitas empresas não precisavam daquela tecnologia e não tinham ganho real com aquele investimento. Corre-se o risco da indústria 4.0 ir por este caminho? Você observa empresas implementando tecnologias que sozinhas, isoladas, não trarão benefícios, nem na competitividade nem na geração de valor do negócio?

Professor Eduardo Zancul – O CIM dos anos 90 não teve os resultados esperados pela alta complexidade que dificultava a obtenção dos ganhos. O investimento necessário era absurdo e o risco tecnológico ainda era muito grande. O processo ainda era rígido e não flexível, como se tem hoje como direcionamento. Hoje, os recursos tecnológicos estão mais obtidos, tanto em custo quanto em complexidade de aplicação. A integração é facilitada. A tecnologia permite que se possa fazer investimentos menores e segmentados, para áreas específicas, e evoluir progressivamente, de forma escalável. Cada investimento pode ser atrelado a uma análise de ganhos e benefícios. Hoje não há o mesmo problema. A adoção de tecnologias de fato não deve trazer os resultados potenciais de uma adoção integrada e bem cadenciada. Mas atualmente,

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Toda a revolução ou melhoria tem um símbolo associado – a revolução industrial era uma máquina a vapor, uma manufatura enxuta (Lean) o Kanban. Qual o símbolo que mais bem expressa na indústria 4.0?

Professor Eduardo Zancul – Com relação à simbologia, penso que o que mais combinaria seria provavelmente um robô de menor porte, pois representa uma tecnologia flexível, acessível e com grande potencial de adaptabilidade.

Como a academia está preparando o profissional 4.0? E a própria academia está preparada para preparar?

Professor Eduardo Zancul – Já há uma grande atuação acadêmica no estudo de novas tecnologias, mas existe uma carência de projetos no que tange a indústria 4.0 como um todo. Existem muitas pessoas nos fóruns acadêmicos que buscam definir diretrizes curriculares, a formação do novo profissional e também há projetos e programas individuais em diferentes universidades (alguns voltados para áreas como inovação e empreendedorismo, que acabam conversando com a indústria 4.0). Observa-se um esforço grande em trabalhar questões relacionadas às tecnologias digitais, já a indústria 4.0 em si, é um pouco mais restrita. Obviamente na engenharia de produção, área em que atuo, existem várias iniciativas que fomentam a indústria 4.0, mas ainda não há uma matriz completamente voltada à essa área específica, de forma que o aluno nem sempre tem uma visão do tema de forma aberta e integrada. Em termos de projetos e publicações, houve um grande crescimento no Brasil. Mas é inegável que precisamos acelerar o ritmo de pesquisas em engenharia no país.

Qual a importância e como funciona a Fábrica do Futuro da USP? É um espaço que ajuda a fomentar o tema e capacitar os alunos que vão ingressar no mercado de trabalho?

Professor Eduardo Zancul – É um laboratório do tipo fábrica de aprendizagem. É um espaço que simula uma fábrica real. Temos uma linha de montagem, em que o nosso produto é um skate, que inclusive pode ser configurado pelo cliente (tem uma série de atributos flexíveis que o cliente escolhe). A linha de montagem conta com várias tecnologias como a visão computacional, ferramentas de automação flexível, manufatura aditiva entre outras. Esse projeto resultou em uma infraestrutura compartilhada voltada para o ensino e a aprendizagem, mas também amplamente utilizada para pesquisas e projetos de P&D em conjunto com empresas. Temos projetos em que as empresas trazem desafios de indústria 4.0 para que os alunos façam provas de conceito. Assim, a Fábrica do Futuro é empregada tanto na demonstração para o público, quanto para o desenvolvimento de novos projetos. Um dos projetos que vamos iniciar é o de monitoramento de máquinas com inteligência artificial, por exemplo. Recentemente tivemos um trabalho de doutorado em que foi desenvolvido um projeto de Digital Twin usando a estrutura da fábrica.

Percebe-se uma necessidade de requalificação de quem já está no mercado de trabalho, vivenciando as mudanças. De quem é a responsabilidade?

Professor Eduardo Zancul – Todos os atores (pessoas, empresas, governo, universidades, entidades) possuem um papel a desempenhar. A oferta de requalificação é importante, mas sozinha ela é insuficiente. É necessário haver perspectiva de crescimento profissional com a requalificação. Há também a necessidade de novas políticas que fomentem esse processo e também de novas iniciativas das universidades para atrair esse público em específico. É um grande desafio, pois a indústria no país não tem crescido de forma significativa. As pessoas precisam de perspectivas reais para adentrar na indústria. Nessa perspectiva, vejo que existem engenheiros que já estão se focando em novas áreas da indústria para que possam atuar.

A indústria 4.0 tem sido muito vista pelas grandes empresas, porque elas têm mais acesso a capital e até mais acesso à informação. Como está a adesão das pequenas e médias indústrias no Brasil? Que ações podem aprovar a adoção das tecnologias da indústria 4.0 por parte das pequenas e médias?

Professor Eduardo Zancul – Tenho muita simpatia por uma iniciativa de qualificação de pequenas e médias empresas que conheci na Alemanha, que inclusive é uma inspiração para o nosso projeto da Fábrica do Futuro na USP. Lá, eles buscam oferecer workshops estruturados para pequenos e médios negócios, para direcionar e apoiar a adoção de novas tecnologias da indústria 4.0. No Brasil, consórcios e entidades de classe podem fomentar (e já estão fazendo isso) entre os associados nas suas respectivas áreas. A iniciativa das universidades que buscam atrair empresas para atuação conjunta é algo que vejo com bons olhos. A aproximação entre empresas e universidades é importante. O desafio para as pequenas e médias não é apenas o capital em si, mas tem questões relacionadas a estratégia e ao conhecimento. Uma empresa pode ter acesso a um determinado equipamento, mas pode não conseguir tirar todo o proveito dele por falta de pessoal especializado, por exemplo.

Na sua visão, o que falta para aumentarmos de forma geral uma escala de indústrias nacionais implantando a jornada da indústria 4.0?

Professor Eduardo Zancul – As empresas precisam avançar, mas ao mesmo tempo é necessário haver demanda no mercado para absorver a produção de soluções de maior valor agregado. É natural que áreas de grande demanda tenham mais facilidade em inovar e adotar novas iniciativas, mas onde não há grande competitividade, torna-se mais difícil. O Brasil precisa ser um país atrativo para manufatura. É preciso criar as condições favoráveis para que isso aconteça. Em termos gerais, a indústria tem caído na contribuição com o PIB brasileiro. O avanço da indústria 4.0 seria mais fácil se a manufatura estivesse se expandindo no país, por isso o desafio é grande. É preciso fazer um esforço em todos os níveis, incluindo a academia, para manter o Brasil competitivo e apresentar o país como um local adequado não apenas para a produção, mas também para o desenvolvimento e como base para exportação.

Fazendo um exercício de futurologia, como serão os próximos dez anos? O que vem pela frente?

  Professor Eduardo Zancul – É provável que vejamos mudanças nos produtos produzidos pela indústria, um exemplo é a indústria automotiva, que deverá trazer mais veículos elétricos, por exemplo. Deveremos ver também uma digitalização ainda maior e em diferentes níveis da indústria.

o entrevistado?

Eduardo de Senzi Zancul, professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Na Poli-USP, criou e coordena laboratórios de fomento à inovação e ao empreendedorismo (InovaLab@Poli, Ocean USP-Samsung e Fábrica do Futuro). Nessas iniciativas, realizou convênios de pesquisa e desenvolvimento entre empresas e a Universidade.

 Possui mais de oito anos de experiência em consultoria de estratégia, tendo sido gerente da Bain & Company até 2012. Autor de mais de 50 artigos em periódicos e de 5 pedidos de patente. Atua em pesquisa nas áreas de gestão do desenvolvimento de novos produtos, manufatura avançada e ensino de engenharia, com foco em ensino de projetos.

  Engenheiro Mecânico (1997), mestre (2000) e doutor em Engenharia de Produção (2009) pela Escola de Engenharia de São Carlos da USP. Foi pesquisador assistente do Werkzeugmaschinenlabor (WZL) da RWTH Aachen University entre 2005 e 2007, Visiting Scholar no Lemann Center da Escola de Graduação em Educação da Stanford University em 2015 e Visiting Professor no Trinity College Dublin em julho de 2016.

ABII

A Associação Brasileira de Internet Industrial (ABII), fundada em agosto de 2016, atua com o objetivo de promover o crescimento e o fortalecimento da indústria 4.0 e da IIoT (Industrial Internet of Things) no Brasil. Fomenta o debate entre setores privado, público e acadêmico, uma colaboração e o intercâmbio tecnológico e de negócios com associações, empresas e instituições internacionais, a partir do desenvolvimento de tecnologias e inovação. A ABII é signatária do Acordo de Cooperação com o IIC, consórcio criado em 2014, nos Estados Unidos, com o mesmo fim, pela IBM, GE e Intel. Buscando inserir o Brasil nesta revolução, Pollux, Fiesc / Ciesc e Nidec GA (empresa detentora da marca Embraco) uniram-se para fundar a ABII.

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