– Nesta semana, um anúncio de uma vaga de emprego em Campinas (SP) chocou e virou manchete nos jornais. As exigências da oportunidade, porém, ultrapassaram todos os limites da razoabilidade, tornando-se completamente abusivas.
Apesar da vaga ser para governanta, o corpo da divulgação dizia que a pessoa contratada teria que cuidar de duas crianças, limpar a casa e organizar a agenda dos empregadores, cobrir as folgas da diarista, ter boa bagagem cultural, e o principal: ser vacinada contra a Covid-19 especificamente com o imunizante da Pfizer.
É claro que o anúncio, reduzido no parágrafo acima por abarcar outras exigências, está repleto de irregularidades, mas o que realmente chocou a todos foi a exigência da marca do imunizante. Ou será que o fato de se exigir um imunizante, qualquer que seja, já pode ser caracterizado um abuso? O que está sendo discutido no momento no âmbito do Direito Trabalhista?
A verdade é que, já há algum tempo, as empresas, juntamente ao seu jurídico e RH, discutem a possibilidade de contratação ou manutenção dos contratos de trabalho condicionados à apresentação da mais nova carteira de vacinação.
Essa discussão ao longo da pandemia foi tomando forma e ganhando força à medida em que as vacinações avançavam e, consequentemente, as dúvidas foram surgindo.
Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) discutiu a constitucionalidade da obrigatoriedade da vacinação, e decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19. De acordo com a decisão, o Estado poderá impor medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola) às pessoas que se recusarem a vacinação. Porém, o Estado não poderá fazer a imunização à força.
Durante o julgamento, diferentes questões foram abordadas, como, por exemplo: convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, mas, conforme entendimento do ministro Luís Roberto Barroso, não são legítimas as escolhas individuais que atentem contra os direitos de terceiros. O ministro lembrou, ainda, que o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas, mesmo contra sua vontade – como, por exemplo, ao obrigar o uso de cinto de segurança.
Nesse momento de transição e incertezas, uma coisa é certa: o medo do vírus e a ânsia pela imunização superam qualquer fator ideológico, deixando em evidência, ainda, a decisão do STF contra a autorização para que pais deixem de vacinar os filhos pelo calendário oficial em razão de crenças pessoais.
Tendo em vista os últimos pareceres judiciais, sabemos que é uma questão de pouco tempo para entendermos essa transição das empresas e empregadores no tocante à exigência da vacinação como requisito obrigatório para uma contratação, ou, ainda, a manutenção do contrato de trabalho vigente.
Há quem discorde da nova postura corporativa, sob a alegação de que as empresas não podem estabelecer qualquer regramento sem que haja previsão legal e que qualquer regramento com restrições ao emprego deverá ser criado pelo Estado.
Muito embora exista um amparo legal da Constituição quanto ao ordenamento de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei, a Constituição abre portas para os argumentos favoráveis à exigência da vacinação, pois é dever do empregador preservar e zelar pela saúde e integridade física do trabalhador, tendo em vista que a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho são os princípios elevados a direitos fundamentais pela Constituição Federal de 1988.
Mais uma vez o Direito Coletivo se sobrepõe ao Direito Individual.
Diante dessas duas correntes divergentes, caso a empresa pretenda determinar critérios mais seguros para sua resolução, no âmbito de acordo coletivo de trabalho é possível estabelecer normas que regulem o tema.
É claro que trouxemos para essa reflexão um caso extremo, como dissemos no início. O abuso fica claro quando o empregador do anúncio limita a vacinação a um imunizante específico, tendo em vista que nem todos os brasileiros tiveram acesso à vacina, e o caso já está sendo investigado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), mas a questão merece mais atenção e debates envolvendo todos os pontos de vista.
Esse é um assunto que nunca foi antes tratado nas bancas advocatícias até a pandemia e, a partir da transição global que estamos vivendo, a adaptação, o diálogo e o bom senso, deverão prevalecer acima de tudo.
(*) Mirella Pedrol Franco é advogada, coordenadora da Área Trabalhista no Granito, Boneli e Andery Advogados (GBA Advogados Associados).
GBA Advogados Associados
Formado por profissionais com alto conhecimento e experiência no Direito Público e Privado, o “Granito, Boneli e Andery – GBA Advogados Associados” foi fundado há 40 anos, em Campinas (SP) e, após processo de fusão em 2017, teve sua equipe completamente estruturada e solidificada. Com foco em Direito Empresarial, oferece suporte e assessoria jurídica a empresas e fundamenta-se em três pilares para a entrega com excelência: equipe com vasto conhecimento multidisciplinar, visões empresariais e econômicas abrangentes; atendimento personalizado; e serviços completos, aprofundados e projetados de acordo com a necessidade específica de cada empresa em vários campos de expertise. São eles: Crise Financeira e Recuperação Empresarial, Recuperação Judicial e Falência, Direito Tributário, Contratos Empresariais e Civis, Planejamento Patrimonial e Sucessório, Planejamento Societário, Direito Médico, Direito Imobiliário, Relações de Consumo e Direito Trabalhista. O GBA Advogados Associados é certificado pela ISO 9001 .
NR: Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores