A consolidação de um mercado energético net-zero dependerá do desenvolvimento de tecnologias que demandam alto conhecimento, afirma executiva da Shell em evento do RCGI.

Não há dúvidas de que a inovação tecnológica será fundamental na transição energética para fazer frente às mudanças climáticas. Diante do desafio de aumentar a oferta de energia, com soluções net-zero, as startups de alta tecnologia, também chamadas de deep techs, têm um papel fundamental. O que falta é estruturar melhor o ecossistema de apoio a projetos de doutores e pós-doutores — segmento que concentra a maior parte das inovações dentro da academia. Essas foram algumas das conclusões de uma série de atividades (palestra, cases e debate) sobre como empreender com alta tecnologia, realizada na manhã de ontem (27/10), durante a conferência anual do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI).

Um dos pontos levantados no evento é que as empresas têm um papel relevante na viabilização das deep tech. “São Paulo, por exemplo, conta com vários fundos, angel capital, seed capital, mas geralmente o foco são as fintechs ou startups de serviço, que dão retorno de investimento mais rápido. Pouquíssimos estão interessados nas de alta tecnologia”, afirmou Carolina Rio, gerente de projetos do grupo de Low Carbon da Shell no Brasil. A empresa, segundo ela, enxerga um grande valor nessas empresas, pois a transição energética depende do desenvolvimento de novas tecnologias. “A Shell procura trazer as startups para dentro dos seus projetos; faz mais sentido investir no início de uma tecnologia porque o risco é menor. Geralmente são projetos de médio e longo prazo.”, contou.

Ela lembra que é muito difícil uma deep tech conseguir sozinha desenvolver a tecnologia. “É preciso ter uma base tecnológica muito robusta para conseguir levar a tecnologia para o mercado. No entanto, o investimento da empresa só faz sentido se a tecnologia trouxer valor”, destacou. Numa dimensão mais ampla, a descarbonização do setor só será possível, segundo ela, com o envolvimento dos três agentes da hélice tríplice: academia, governo e empresa.

Carolina Rio, da Shell

Celeiro de startups — Uma deep tech demanda muito conhecimento e as universidades são o celeiro disso. A Shell, por exemplo, está investindo US$ 200 milhões em inovação este ano, sendo que 50% da sua carteira de projetos é feita em parceria com universidades. “Na economia do conhecimento, a sociedade precisa mais do que nunca das universidades”, disse o pró-reitor adjunto de Inovação da USP, Raul Gonzalez Lima.

Segundo ele, a USP tem o desafio de aumentar o número de fundações, incubadoras e cursos voltados para fomentar a inovação. Uma das novidades será a criação de uma residência em inovação, pela qual um pós-doutor terá suporte amplo para alavancar sua tecnologia. Outra é a criação de um escritório que trará segurança jurídica para os docentes sócios de startups, figura que também é essencial no processo.

Centros de pesquisa, como o RCGI, são vistos como catalisadores no processo de geração de startups, por que são multidisciplinares e focados na inovação. “Acredito que uma das funções da minha área é identificar talentos e projetos com potencial para se tornarem startups”, disse Gustavo Assi, diretor de Inovação e Transferência de Tecnologia do RCGI.

Quando capacitar — O fato é que empreender exige conhecimento específico. Como transformar uma pesquisa em um negócio e onde captar dinheiro são questões que geralmente não estão no centro das preocupações dos cientistas. Mas quando é o melhor momento para ensinar a empreender? Segundo Lima, a USP conta com cerca de 250 disciplinas sobre empreendedorismo. “Existe uma discussão se realmente vale a pena sobrecarregar o aluno de graduação com esse conteúdo”, disse. “Estamos falando de high tech, um nível de conhecimento que exige, no mínimo, doutorado ou pós-doutorado. Deveríamos capacitar quem tem esse nível de conhecimento”, destacou Gustavo Assi.

A capacitação é essencial para “virar a chave” do cientista no entendimento de que seu projeto de pesquisa precisa ter impacto no mercado e ser de interesse econômico. “Tive muito medo de me transformar em uma vendedora, mas depois percebi que empreender é lidar sempre com problemas novos, assim como na ciência”, disse Maitê Gothe, da startup Carbonic. “De cientista passamos a ser entregadores de solução, transformando ciência em tecnologia”, acrescentou Dagoberto Silva, da MOF Tech. Ambas as startups foram geradas no âmbito dos projetos do RCGI, apoiados pela Shell. A Carbonic busca transformar CO2 em metanol, cuja demanda mundial é de 98 milhões de toneladas/ano. Já a MOF Tech quer produzir MOFs (Metal-Organic Frameworks) para a recuperação de solos degradados e a otimização da captura de CO2 pelo solo.

 

Sobre o RCGI — O Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) é um Centro de Pesquisa em Engenharia, criado em 2015, com financiamento da FAPESP e da Shell. As pesquisas do RCGI são focadas em inovações que possibilitem ao Brasil atingir os compromissos assumidos no Acordo de Paris, no âmbito das NDCs — Nationally Determined Contributions. Os projetos de pesquisa — 19, no total — estão ancorados em cinco programas: NBS (Nature Based Solutions); CCU (Carbon Capture and Utilization); BECCS (Bioenergy with Carbon Capture and Storage); GHG (Greenhouse Gases) e Advocacy. Atualmente, o centro conta com cerca de 400 pesquisadores.

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