* Anke Manuela Salzmann
O Paraná vive a seca mais severa dos últimos anos, submetido, desde maio, à condição de emergência hídrica. Outras regiões brasileiras estão passando por problemas semelhantes. Uma pesquisa da Agência Nacional de Águas e Saneamento revelou que em setembro as áreas de seca aumentaram em 14 dos 18 estados monitorados. Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraná são os estados que sofrem há mais tempo com a estiagem, apresentando pontos de seca extrema, marcados por falta de chuva e níveis dos rios extremamente baixos. No Pantanal, bioma que está sofrendo intensamente com queimadas, o volume de chuvas de outubro de 2019 a março deste ano foi 40% inferior à média de anos anteriores, segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Desde o início de outubro, o Oceano Pacífico Tropical vive condições de La Niña, ou seja, um resfriamento das águas superficiais e um enfraquecimento dos ventos alísios (constantes e úmidos), o que desfavorece a precipitação de chuvas no Sul, Centro-Oeste e parte do Norte do Brasil. De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), as chances deste padrão perdurar até o final do primeiro semestre de 2021 são de 70%.
Em um contexto como este, a falta de água acaba sendo inevitável, afetando não somente a população, mas, em menor ou maior grau, todos os outros setores da economia. No Paraná, levantamento do Departamento de Economia Rural (Deral) aponta que até o início de outubro apenas 8% da safra de soja havia sido plantada, contra média aproximada de 22% dos anos anteriores. Em São Paulo, a falta de chuva prejudica o cultivo de café e, em Santa Catarina, a safra de milho, ficando apenas em alguns exemplos.
Com o aumento da temperatura global ocasionada pela constante alta das emissões de gases de efeito estufa, especialistas do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) preveem mudanças significativas nos regimes hidrológicos em várias regiões do país. O Norte, Nordeste e parte do Centro-Oeste enfrentarão redução de chuvas com períodos de seca mais longos, enquanto para Sul e Sudeste a previsão é de estiagens mais severas intercaladas por períodos muito chuvosos. Essas fortes chuvas já vêm sendo observadas, como as enchentes ocorridas no início do ano em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Além dos efeitos das mudanças climáticas, crises hídricas são igualmente potencializadas pelo desmatamento. Levantamentos do INPE indicam que os “rios voadores”, correntes de ar e água que levam umidade da Bacia Amazônica para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país, têm perdido força diante da devastação florestal na Amazônia. Efeito direto deste fenômeno é a redução de chuvas na região do Pantanal e o consequente agravamento das queimadas, que ainda ardem na região.
A manutenção da vegetação natural nas margens dos rios e nascentes de uma bacia hidrográfica é essencial para manter a água armazenada por mais tempo em seu interior. Este último ponto ficou evidente na crise hídrica enfrentada atualmente pela Região Metropolitana de Curitiba. Os reservatórios de Piraquara I e II permaneceram com um volume satisfatório de água por um período muito maior em função da expressiva extensão de floresta nativa em seu redor. Além de manter o solo muito mais úmido, essas áreas também contribuem para a melhoria da qualidade hídrica, por atuarem como uma espécie de esponja, retendo possíveis partículas de solo que poderiam ser levadas aos rios durante fortes chuvas.
Em uma abordagem em que a própria natureza pode amenizar crises hídricas futuras, foi criado o movimento Viva Água. Este atua na Bacia do Rio Miringuava – manancial localizado em São José dos Pinhais (PR), que abastece 230.000 pessoas e várias empresas da Grande Curitiba. O objetivo é contribuir para a segurança hídrica por meio de ações de conservação e recuperação de ecossistemas naturais, além do incentivo ao empreendedorismo com impactos sociais e ambientais positivos.
O movimento é um exemplo de como a articulação da sociedade tem papel relevante na solução de crises hídricas. Juntos, organizações, produtores rurais, comunidade, poder público, iniciativa privada e universidades, agem para transformar a realidade socioeconômica e ambiental e contribuir para sua adaptação aos efeitos das mudanças climáticas.
* Anke Manuela Salzmann é analista de Negócios e Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza
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