*Por Camila Ahrens
Em uma partida de futebol, o intervalo entre o primeiro e segundo tempo é fundamental para que os jogadores dos dois times tomem um ar, recuperem a energia e avaliem com o técnico as melhores táticas para ganhar o jogo. A pandemia da Covid-19, agora, nos obriga a dar mais do que esse intervalo. Caminhamos rapidamente para os 300 mil mortos, em pouco mais de 365 dias, e continuamos nos recusando a trancar a porta, mesmo depois de ela ter sido arrombada duas vezes.
Manter os campeonatos de futebol rodando passa uma imagem de que o vírus não é sério. De que a doença não é mortal também para jovens e atletas. As pessoas não têm a dimensão do risco e da gravidade da situação.
Não respeitar esse “intervalo”, fazer jogadores viajarem para outras cidades – e até mesmo estados do outro lado do país – no momento em que deveriam estar isolados em casa, é muito mais do que perder por 7 x 1. O Brasil bate recordes diários de mortes, com UTIs públicas e privadas lotadas e profissionais exauridos. Como cidadã e médica infectologista, afirmo que não há a menor possibilidade de as partidas continuarem.
Quem fala diferente, não tem a dimensão do risco que estamos correndo. Um jogo de futebol não se restringe aos 90 minutos de bola rolando. Muitas vezes, para assistir a uma partida, as pessoas fazem um churrasco, chamam os amigos e, por mais que isso signifique reunir apenas aquele grupinho seleto que torce pelo mesmo time, isso acelera a proliferação do vírus. Isso quando não vão para a frente dos estádios ou para as ruas, para comemorar a vitória ou mostrar a indignação pela derrota. Se quem assiste o jogo com você não mora na sua casa, é uma chance a mais que você dá para o vírus contaminar quem você ama.
Entendo que os brasileiros são apaixonados pelo futebol, mas futebol sem vida não é nada. A Covid-19 é o rival mais perigoso para qualquer time. Ele não apenas rebaixa, ele mata!
O que acontece no futebol está em sintonia com o que acontece nos hospitais. Assim como o Brasil é o país mais apaixonado pela bola na rede, somos o local que mais tem transmissão do vírus neste momento. E a possibilidade de reinfecção é ainda maior com a nova variante do vírus, que já foi detectada em todo território nacional.
O futebol não é uma programação engessada e precisa parar por umas semanas, um mês ou talvez um pouco mais. A paralisação dos campeonatos deve ser vista como uma forma de conscientizar a população. E, assim como no ano passado, voltar quando tivermos uma condição sanitária melhor, quando entendermos mais a variante, quando tivermos um número maior de pessoas vacinadas e, principalmente, vagas nos hospitais.
Eu concordo com a importância do entretenimento, ainda mais o futebol que é tão democrático. Mas, nesse contexto de cansaço e falta de soluções, estamos perdendo a sensibilidade. Precisamos definitivamente compreender que falamos de vidas perdidas. Qualquer medida para salvar uma vida, já vale muito. Essa vida é de um pai, de uma mãe, de um filho… que nunca mais vai poder comemorar um gol. E que vai embora sem aquele abraço, sem a despedida.
O estado é de calamidade. Sem dúvida, estamos no momento mais crítico desde o início da pandemia. Já estamos nos acréscimos e perdendo esse jogo. De goleada. Enquanto a vacina não chega para todos, o jeito é aceitar esse cartão vermelho e sair de campo por um tempo para colocar a cabeça no lugar e diminuir o número de casos ativos em todo país.
*Camila Ahrens, infectologista do Hospital Marcelino Champagnat
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